domingo, 31 de agosto de 2008

VOCÊ SABE QUE MENTIRAS ESTÃO CONTANDO AOS PAIS DELE?



Quando instaurou-se a ditadura no Brasil, fecharam-se editoras, jornais, foram presos artistas e políticos. Não havia desculpa nem disfarce para a violência. No cenário de hoje, vemos outro viés para a mesma prática de calar a boca dos que falam demais: a manipulação da opinião pública.

Em recente reportagem da revista Veja,intitulada "VOCÊ SABE O QUE ESTÃO ENSINANDO A ELE?" edição nº 2074, de 20 de agosto deste ano, com grande repercussão em todo o país, vimos apresentar-se diante dos olhos da nação um discurso no mínimo perigoso, para aqueles que não possuem o básico de informação histórica e espírito senão crítico, ao menos desconfiado.

Cheia de pontos obscuros e mal interpretados, maliciosamente montados e distorcidos, a reportagem veio mais uma vez mostrar do que são capazes aqueles que se vendem para o poder. Manipuladores, é o que são. Colocam toda a responsabilidade das mazelas da educação brasileira sobre os ombros dos professores, acusados de “esquerdizar” as mentes dos alunos desde o ensino fundamental. Culpar os professores é providencial, quando cada vez mais estes se esforçam para abrir os olhos de seus alunos para os engodos da História. Seriam eles culpados? Por quê? Seria por que os professores têm passado a ensinar a real História do Brasil? Porque têm feito questão de contar o verdadeiro motivo de existir a seca no nordeste, a fome, a miséria? Quem está ofendido com isso? Certamente a quem esses infortúnios não atingem.

Usam o fato de 29% dos professores entrevistados identificarem-se com Paulo Freire, 10 % com Karl Marx, contra apenas 6% que se inspiram em Albert Einstein, para fundamentar a idéia de que os mestres esquivam-se da ciência pura, fogem à exatidão científica. O que a pesquisa não explica é qual categoria de professores foi entrevistada, haja vista que é perfeitamente normal e previsível que professores de ensino fundamental e disciplinas pedagógicas identifiquem-se com Freire, ao invés de com Einstein, lembrando que não se identificar nunca significou não conhecer, ou mesmo negar. Paulo Freire e Karl Marx têm, ambos, exatidão científica! As Ciências Sociais também são Ciência, minhas caras jornalistas! Mas tais "profissionais", distorcendo fatos e omitindo dados relevantes, seguem assim, manipulando opiniões.

A reportagem condena a ideologia, de qualquer espécie, e exalta a neutralidade política na educação, como se esta fosse possível. A neutralidade, por si só, já é uma apologia disfarçada ao sistema dominante. Esta é uma matéria ideológica até a raiz dos cabelos. Altamente reacionária, publicada por uma revista reconhecidamente de DIREITA, direcionada a formar opinião que favoreça sempre quem está no poder, para reproduzir e manter o mesmo cenário. Necessário é que seja analisada com muita cautela por parte dos educadores.

Defendem a educação como mera mercadoria, criticando quem entende a missão da escola como construtora da cidadania e preparatória para a vida em sociedade, conceitos claramente declarados na Constituição Federal , pela ONU e pela UNESCO.

A escola falha em sua missão quando serve de reprodutora do modelo atual de opressão e segregação social, quando serve de “chocadeira” como citado na revista, somente transmitindo conteúdos sem avivar o espírito crítico e a consciência de cidadania,reproduzindo assim, máquinas humanas prontas para o trabalho. A formação do cidadão é SIM a maior missão da escola, em todos os seus parâmetros, formar e preparar o indivíduo para agir e transformar a sociedade em que vive, AGIR SOBRE ELA, e não receber a ação passivamente, trabalhando por um salário e indo para casa no fim do dia, de boca fechada. Só é possível cumprir efetivamente esta missão quando a educação consegue articular as duas faces desta mesma moeda: capacitar profissionalmente para a inserção no mercado de trabalho e formar o espírito crítico-reflexivo. Qualquer tendência a subestimar uma das duas, se constitui em falha na missão da escola. Não é abafando uma delas que se resolve a outra, como propõem as duas jornalistas mal informadas.

Existem os erros e os exageros de ambos os lados, direita e esquerda, na História da civilização moderna. Analisar apenas um dos lados é deixar de contar metade da história. Este é um paradigma da direita. Há interesses em calar os educadores do país, e se há, é porque começam a incomodar, ou então, devo supor que Papai Noel existe. Há os educadores esquerdistas fanáticos que não vivem no mundo real, assim como ainda temos os professores reprodutores em seus cabrestos. Olhando o problema por apenas um aspecto, esconde-se o outro, propositadamente. E o que se pretende esconder? Certamente os crimes contra os direitos humanos cometidos por décadas e décadas de governos "direitistas". A quem seria um opróbrio denunciá-los nas salas de aula brasileiras?

A reportagem sim é tendenciosa, manipuladora e perniciosa, e não os educadores do nosso país, muitos dos quais dão seu sangue para conseguir sua formação acadêmica, pagam pelo material didático que usam do próprio bolso, e “vendem o almoço para comprar a janta”. Estaria Paulo Freire revirando-se no túmulo? Não... se estivesse entre nós o máximo que faria seria dar um largo sorriso, à ignorância engajada das duas jornalistas. Tal ato impensado é de tão grande bizarrice que merece compaixão. A reportagem, no lugar de lançar acusações sobre Freire de não ter contribuído efetivamente para a civilização ocidental, deveria ter pesquisado um pouco sobre o que ele ensinou, o que fez, o que desenvolveu, e seu legado. Assim descobririam porque muitos dos mestres de nossos dias têm nele se inspirado.

Sempre vão existir os que lutam contra a liberdade de expressão, de ação e de pensamento, na história da Sociedade. Render-se a cada vez que um deles aparece é sepultar em si mesmo os valores pelos quais morreram os verdadeiros heróis da humanidade. Porque ser herói é enxergar a possibilidade de mudanças, lutar por elas, e pagar o preço por isso.

Calar os professores brasileiros torna-se mesmo um poderoso instrumento para manter as coisas como estão. Não é a primeira vez... não será a última. Mas a mordaça de agora, um dia, reduzir-se-á a nada pelas mãos dos que, assim como Freire, têm ainda a capacidade de se indignar.


Su


Abaixo, o link da reportagem:

http://veja.abril.com.br/200808/p_076.shtml


*Acréscimos e correções feitos pelo meu professor do coração.

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