sábado, 23 de agosto de 2008

O MENINO E A SAUDADE


Ele era meu amigo mais chegado, nos tempos de molecagem. Tínhamos alguns anos de diferença,mas ainda assim éramos companheiros de segredos e traquinagens, subíamos em árvores, corríamos pela rua despreocupados, bons tempos....
Uma vez, descobrimos um cano d'água que vinha da rua de cima, quebrado...e descobrimos também que quando jogávamos uma pedrinha lá dentro, que barulho engraçado fazia!!! Daí a jogar trezentas foi um pulo.
Logo esquecemos a brincadeira, e no outro dia ouvimos, sem entender, aquela zoeira de tratores chegando, de homens cavando, britadeiras...nunca contamos nosso segredo a ninguém, só depois de adultos...mas na verdade, sentíramos uma pontinha de orgulho em sermos nós dois, os entupidores da rua...
Meu primo desenvolveu uma técnica muito aprimorada de roubar peixinhos dourados na loja de agropecuária, e por isso ficou famoso entre a turma. Ele chegava, como quem não queria nada, parecendo uma daquelas crianças que ficam hipnotizadas pelos bichinhos...que nada!!! Era ele a hipnotizar...enfiava a mãozinha branca com uma velocidade impressionante e saía em disparada, com o peixinho apertado entre os dedos, o qual chegava, muitas vezes, mortinho da silva em casa, pela pressão exercida sem maldade, no susto da corrida. Mas alguns se salvaram. Eram como troféus. Até que um dia minha tia descobriu, com a contribuição do dono da agropecuária... Acabou-se a coleção e a festa.
Noutra vez, bolamos um plano infalível: resolvemos cavar um buraco na parede que ía do quarto do meu tio até o banheiro, entre um velho armário da minha avó e algumas vassouras.Trabalhamos por semanas, medindo e calculando tudo meticulosamente. Éramos pequenos, a empreitada era arriscada e desafiadora. Quando finalmente conseguimos, passamos a fazer os testes: ele foi para o banheiro olhar, conferir se havíamos calculado a direção exata do vaso sanitário. Eu de olho no buraco, vejo uma coisa estranha aparecer, e um jato quente no meu olho! Urinou, traiu a própria companheira de trabalho!
Inesquecível...
Daí pra frente, foi um divertimento sem fim... Vimos toda a família pelada, morrendo de rir. Vimos nosso avô bêbado - não, trêbado - fingindo que tomava banho, durante dias. Nossa avó, tio, tias, primos, "todo mundo como veio ao mundo". Era só alguém ameaçar tomar o rumo do banheiro que lá íamos nós, "ventando", como dizia a "vó". De vez em quando apareciam inconvenientes anteninhas de barata no nosso observatório secreto, as quais espantávamos com gravetos e assopros. Um dia minha avó descobriu o buraco, e impiedosamente mandou tapar com massa. Assistimos com tristeza. Uma pena...
Chupamos muita manga verde com sal, escondidos na escada atrás de casa, pra não apanhar. Rimos, choramos, enterramos juntos meu porquinho-da-índia, morto por um cachorro da rua, e depois, não demos paz ao cachorro.
Hoje, meu primo e eu quase não nos vemos mais, é coisa rara. Ele tem muitos compromissos com a igreja, e eu com meus filhos, a vida vai passando.
Não que moremos longe, é ali mesmo, a quinze minutos daqui . No entanto, a correria da vida é que se traduz na maior distância entre as pessoas. Mas a amizade ingênua e descompromissada dos tempos da infância permaneceu no coração. Em sua homenagem, registrei meu filho mais novo com seu nome, sob protestos de " coitado do menino!"
Ainda não encontrei uma amizade mais sincera do que a que tivemos, mais profunda, mais satisfatória. Contudo, cansei de procurar o amigo ideal. Ele já existe, cresceu, tomou corpo, e saiu pela vida, ficando sem tempo pra nós. Só que eu ainda sinto falta... Hoje é seu aniversário, vinte e cinco anos, e eu não apareci na sua casa, não mandei e-mail, porque não sei o seu e-mail ... Mas o coração apertou, a saudade doeu e as lembranças trouxeram mais uma vez a presença de uma amizade que nunca morre.

Su

Um comentário:

Unknown disse...

Puro, verdadeiro. A gente viaja na história. Só a Su para escrever algo tão gostoso de ler