sábado, 7 de março de 2009

PROFESSOR

O verdadeiro professor, aquele que jamais esquecemos,não necessita apresentar

seu currículo no primeiro dia de aula. Seu curriculum vitae se consiste em sua

postura, suas palavras, seus olhos. É algo que ele distribui livremente, porque lhe

sobeja, e nisto sente prazer. O currículo do professor é o testemunho que ele

constantemente presta de si mesmo.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

RUA DE MÃO DUPLA




Na rua em que eu moro há uma separação estranha e muda entre o lado dos ricos e o lado dos pobres. A direita de quem desce é o lado daqueles que já conseguiram sair da estaca zero. Funcionários da CSN, aposentados, trabalhadores autônomos, comerciantes, pessoas que nada mais têm do que sua casa e seu carrinho, e fazem o churrasco de domingo. Às vistas dos demais vizinhos, os “ricos”. Quem mora à direita de quem desce, na minha rua, e ainda não se adequou ao grupo, corre para logo levantar uma parede, pintar uma fachada, comprar um carro velho à prestação, tudo para se incluir. Interessantes as dinâmicas que acontecem, silenciosas, no interior dos bairros de subúrbio. Na minha rua, acontece assim.
À esquerda de quem desce, moram os pobres. Nem tão mais pobres assim do que os outros, mas eles mesmos se intitulam desta forma, e assim vivem e se conformam. São os que tentam esticar o pescoço para espiar além dos muros do outro lado do asfalto, e que geralmente trabalham nas casas à direita, fazendo pequenos serviços de pedreiro ou babá. No final de tudo, os dois lados se “apertam “ e se “viram” para pagar as contas, para sobreviver. No entanto, esta foi a fissura que, não se sabe porque, se estabeleceu.
Do lado dos pobres mora Davi, um menino gordinho e inteligente, olhos vivos e sorriso fácil. Hoje com seus doze anos, desde pequeno acompanhava o pai que, já velho e doente, mancava de uma perna e usava uma bengala pra se equilibrar, seqüelas de um derrame.
Durante os primeiros anos da infância, Davi se tornou a sombra do pai. Sua devoção e fidelidade comoviam os vizinhos, a forma como ele o seguia, como o amparava, como verdadeiramente o amava, mesmo velho, mesmo rabugento e mandão.Havia uma cumplicidade entre eles, uma forte ligação de carinho e companheirismo.
Um dia, de repente, o pai sentiu-se mal e faleceu. “Pobre coitado do Davi”- foi o que todos pensaram. “Como vai viver sem o pai?” “O que fará durante as tardes em que seu único e incansável passatempo era segui-lo e se ocupar dele ?”
Uns dias tristes e confusos passou Davi. Caminhava cabisbaixo pela rua, recebendo o consolo vazio e inútil dos vizinhos, que repetiam essas coisas sem valor que a gente sempre repete por ocasião da morte, ao que correspondia com um sorrisinho amarelo, de canto.
“Pobre Davi....Ele não vai agüentar....”
À medida em que os dias passaram, porém, a alegria voltou a brilhar no rosto do menino. A capacidade de autocura das crianças é algo impressionante, e frequentemente ignorada pelos adultos. Capacidade esta que vamos perdendo enquanto crescemos.
Encontrei Davi no ponto de ônibus, certo dia, com a velha alegria de antes, surpreendentemente. Ora, pois o que se esperava de uma criança que perde um pai tão amado? Que chorasse, se descabelasse, que não suportasse. Ele estava lá, com uma caixa de sapatos nas mãos, cheia de pulseiras feitas de fios coloridos, trançados artisticamente por ele mesmo, cada uma cinqüenta centavos. Uma criança de nove anos, com uma iniciativa, imaginação, força de vontade e coragem de dar inveja em muito adulto...
Ele começou a oferecer-se para fazer pequenos trabalhos, como limpar quintais e ser ajudante de pedreiro, capinar, fazer qualquer coisa em troca de pouco dinheiro, do lado direito de quem desce, aqui na minha rua. Todos conhecem Davi. Ele faz parte do cenário. Os comerciantes o rotulam de chato, pois entra, quer saber tudo, pergunta tudo, todos os dias. Mas inegavelmente é uma figura querida. Sem perceber, Davi é uma inspiração para as pessoas da minha rua, dos dois lados. Pois ele se curou de um sofrimento, e com ele tornou-se melhor. Quantas vezes nós, adultos racionais, na mesma situação, não nos escondemos ou procuramos consolo e colo, para não enfrentar nossas fraquezas, não expor nossas feridas...
Uma mente inventiva e uma postura pró ativa como a de Davi eventualmente o levarão ao sucesso na vida. Quem tem a mente acostumada a encontrar saídas para as próprias dores, para os apertos do destino, não se contentará em ficar parado na lamentação, e aprenderá a “trançar pulseiras de fio colorido”, a cada novo desafio.
As dificuldades separam o homem forte do fraco, assim como os privilégios. Os extremos testam o que há de melhor e pior em cada um. Não é nascer na pobreza, o que faz uma criança ser destinada a ter um futuro pobre, em todos os sentidos, mas os valores que a ela são passados, assim como na riqueza. Um adulto criado na riqueza se afunda em três meses, se sua herança não for acompanhada de pilares firmes de caráter.
Assim, a maioria das pessoas que hoje são contempladas por muitos privilégios na vida, tem em seu passado familiar um “Davi”, que, como o do Velho Testamento, não se esquivou dos desafios nem se jogou em choro e autopiedade, mas encontrou uma solução para vencer a própria fraqueza e seguiu em frente. Estes privilegiados nem sempre dão valor ao legado que carregam, e se afundam no mar das facilidades, da “vida ganha”. São os “filhinhos de papai”. E então, a montanha russa do trabalho e do comodismo nunca para. Em qual das etapas estamos nós? Para qual delas a educação que estamos dando aos nossos filhos os formará? Em que lado da rua estarão nossos descendentes daqui a uma, duas, três gerações? À esquerda de quem desce, à direita de quem sobe, não importa. Os desafios da vida virão para eles, e o que determinará se serão felizes ou não, ricos ou pobres, será sua capacidade de lidar com o sofrimento, e isto depende dos valores e o exemplo que a eles transmitirmos - hoje.




SU

(foto fictícia)