segunda-feira, 29 de setembro de 2008

PEQUENA GIGANTE


Pé ante pé eu me levantava da cama e ia devagarinho, descobrir de onde vinha aquele barulhinho estranho de folhas de árvore caindo. Quando abria a porta, podia ver, à meia-luz da cozinha, uma figura magra e pequena debruçada sobre a mesa, passando páginas... Lá estava ela, mergulhada nos livros, os mesmos livros repetidos que tantas vezes leu. Livros usados que comprava no sebo ou que emprestava de alguém. Edições antigas que ela guardava como se fossem tesouros, e livros de família que pareciam mágicos pra mim.

Durante toda a infância eu me deparei com esta cena: minha mãe sentada, lendo e escrevendo, na sua pouca instrução, no seu infinito discernimento de mulher moldada pelas dificuldades da vida. E esta influência perene desperta grande gratidão em meu coração.
Ela era a sabedoria em pessoa. Seus lábios calavam o que os olhos insistiam em me dizer, e ainda hoje eu tento desvendar o que aquele olhar escondia.

O contato com a leitura e a escrita foi decisivo para nosso futuro, meu e de meus dois irmãos mais velhos.
Nós nos libertamos de todo o estigma que as crianças da periferia carregam, fadadas a ser menos, simplesmente porque um sistema assim determinou. Nossa mãe rompeu esta barreira para nós, e nos ensinou a levantar a cabeça, a não ter medo de olhar nos olhos, nem de falar de igual para igual com qualquer pessoa, e de reconhecer a necessidade de sempre aprender mais. Hoje tento seguir seu exemplo, e exercer sobre meus filhos a mesma influência inspiradora da qual tive o privilégio de desfrutar.

Nesta tentativa de me igualar a ela é que descubro minha fraqueza. Ela que, com seus quatro anos de estudo regular, pôde transformar nossa vida para sempre com seu gosto pela leitura, sua capacidade de raciocínio, seu domínio impressionante da lógica e da coerência textual quase instintivas, me presenteava muito mais com livros do que com brinquedos. Eu com minha cara feia, que esperava mais uma boneca...jamais poderia medir o tamanho daquele gigante que chamávamos de mãe.

Ela se foi e deixou um legado do qual temo não dar conta: passar para meus filhos os valores e as prioridades que a mim foram deixados. E o que me faz vacilar é reconhecer que o efeito do meu exemplo terá neles a mesma força que o dela sobre mim. Pequena em sua estatura, gigante em sua sapiência, passou pela minha existência sempre despertando em mim algo de grande, maior que eu mesma, porque ela assim me enxergava, posto que me amava.

E se eu, em minha fraqueza, conseguir alcançar metade de tudo o que ela ensinou, tudo o que fez e tudo o que amou, terei cumprido com honra minha missão de mãe.

Su

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Um comentário:

SHEILA disse...

Su, que lindo texto! Fiquei emocionada ao lê-lo. Como foi bom poder ter partilhado nas entrelinhas um pouquinho de sua vivência e do papel da Mãe em tua vida, para mim em tão poucas palavras mostrou-se uma grandiosa MULHER, exemplo de MÃE, de VIDA, de PACIÊNCIA, de ESPERANÇA, de SABEDORIA, de GUERREIRA, mas acima de tudo de AMOR...
Com todo certeza cumpriu sua Missão de MÃE.
Com carinho Sheila